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20 de Abril de 2024
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    Polêmica sobre adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT se reflete em ações julgadas na JT

    Atualmente, as reclamações trabalhistas ajuizadas na Justiça do Trabalho tratam mais de relações de emprego já extintas do que de relações de emprego em curso. A legislação trabalhista atual autoriza o empregador a dispensar trabalhadores sem justa causa, mediante o pagamento das parcelas devidas. Na prática, isso significa que a empresa dispensa quem quiser e por qualquer razão, bastando não indicá-la quando se tratar de razão proibida por lei. Mas, na década de 90, houve uma tentativa de reverter esse quadro. Em 1995, o Brasil ratificou a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi promulgada pelo Decreto 1.855/96. Ela proíbe que um trabalhador seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, a sua capacidade profissional ou a necessidades estruturais da empresa. De acordo com essa Convenção internacional, nos casos de dispensa em massa por alegada necessidade econômica da empresa, o Judiciário poderá examinar se essa necessidade realmente existe e se a dispensa de trabalhadores é de fato necessária. Se concluir que não é o caso, poderá, igualmente, reintegrar os trabalhadores dispensados.

    Entretanto, a Convenção 158 da OIT não chegou a ser aplicada no Brasil. Isso porque o Judiciário a declarou incompatível com a Constituição, em virtude de um detalhe técnico: os tratados internacionais têm, no Brasil, status de lei ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador contra a dispensa sem justa causa deve ser regulada em lei complementar. Em 1996, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, decidiu, através do Decreto 2.100/96, denunciar a Convenção 158, ou seja, ele revogou a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT. A partir desse acontecimento, surgiram muitas discussões acerca da constitucionalidade dessa revogação, ao argumento de que algumas formalidades não foram observadas. É que a ratificação de uma convenção internacional exige a observância de alguns procedimentos especiais. Para valer, a convenção tem que ser aprovada pelo Congresso Nacional, o que pode levar anos ou simplesmente não ocorrer. Se for aprovada, ela volta ao presidente, que poderá sancioná-la, isto é, transformá-la em lei, ou vetá-la, caso em que ela volta ao Congresso, ou simplesmente deixá-la mais alguns anos na gaveta. Mesmo sancionada, sua aplicação dependerá da Justiça.

    A denúncia de uma convenção também exige algumas formalidades. Nesse sentido, o texto da própria Convenção 158 prevê a possibilidade, a cada 10 anos, contados da data em que passou a ter vigência internacional e por um período de 12 meses, de um país signatário denunciar a Convenção, deixando de cumprir seus dispositivos. Se não o fizer neste prazo, o país signatário fica obrigado a cumprir a Convenção por mais 10 anos. A grande polêmica que envolve essa questão diz respeito à possibilidade de ocorrer a denúncia da Convenção 158 por ato isolado do Presidente da República.

    O juiz José Quintella de Carvalho, titular da 1ª Vara do Trabalho de Congonhas, julgou uma ação civil pública que versava sobre a matéria, ajuizada pelo sindicato representante dos trabalhadores na indústria de extração mineral de Congonhas e região contra a Companhia Siderúrgica Nacional. Protestando contra a dispensa em massa de empregados da reclamada, o sindicato autor reivindicou a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, bem como a condenação da empresa na obrigação de assegurar a todos os seus empregados a proteção contra a dispensa sem justa causa. Sustentou o sindicato autor que houve irregularidades no ato de denúncia da Convenção 158, uma vez que, segundo a sua tese, é inválida a revogação da Convenção por ato unilateral do Presidente da República.

    Para solucionar a questão, o juiz fez uma análise das regras de competência contidas nos artigos 49, I, e 84, VIII, da Constituição. Em sua sentença, ele explicou que o artigo 84 dispõe sobre a competência privativa do Presidente da República. Conforme esclareceu o magistrado, no Brasil, a ratificação se dá por ato conjunto do chefe do Poder Executivo e do Congresso Nacional. Desse modo, o artigo 84, VIII, atribui ao Presidente da República a competência para praticar todos os atos inerentes à celebração de tratados, convenções e atos internacionais, exigindo-se a participação do Congresso Nacional somente para referendar o conteúdo da contratação. Já o artigo 49, I, não modifica as atribuições formais do Presidente da República, bem como a sua iniciativa nas negociações, porém amplia o poder do Congresso ao estabelecer que é da competência exclusiva do Congresso Nacional "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional" .

    Na interpretação do magistrado, o artigo 49, I, da Constituição, não se aplica aos atos de ratificação da Convenção nº 158 da OIT, tendo em vista que essa norma internacional disciplina relações de direito privado entre empregadores e empregados, as quais não envolvem situações que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, única circunstância que atrai a aplicação do artigo 49, I. Portanto, concluiu o juiz que, uma vez afastada a regra especial, deve ser aplicada ao caso a regra geral, segundo a qual o Congresso não delibera em caráter definitivo. Observou o magistrado que, no texto do decreto legislativo que aprovou a Convenção 158, ficou estabelecido que o tema só deve retornar ao Congresso em caso de modificações. Como não houve alterações no conteúdo da Convenção, o juiz entendeu que estava encerrada a participação do Congresso Nacional.

    Nesse contexto, o julgador considerou válido o ato de denúncia da Convenção 158, ocorrido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e, em conseqüência, declarou a constitucionalidade do Decreto 2.100/96. Por esses fundamentos, o juiz sentenciante não analisou os demais pedidos formulados pelo sindicato autor, uma vez que o pedido principal tinha como base a declaração da inconstitucionalidade do ato presidencial.

    Entretanto, tudo indica que a história da Convenção 158 no Brasil ainda está longe do seu fim. No dia 14 de fevereiro de 2008, o presidente Lula reacendeu a discussão sobre a matéria, ao encaminhar à Câmara a Mensagem 59/08, que submete novamente à apreciação do Congresso Nacional o texto da Convenção. Portanto, o debate sobre o tema continua em aberto.

    ( nº 00260-2007-054-03-00-5 )

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    Muito esclarecedor o assunto, muito bom! continuar lendo